domingo, 8 de junho de 2014

Brinde da semana

O livro "Sagarana", de Guimarães Rosa, cedido pela SBS Livraria, foi o brinde de estreia do nosso programa. A cada semana novos brindes serão distribuídos entre os nossos ouvintes. Para tanto, eles terão de realizar uma tarefa, que será mencionada ao fim de cada programa. O estudante Marcus Vinicius foi o ganhador desta semana.


Aos porões o sempre



Que se diga primeiro que havia tristeza e silêncio nas horas do homem da história. Quanto à descrição do quarto sem luz em que o encontramos, que se enfatize a impossibilidade da porta e das janelas – era o mundo do homem só. Sobre a noite que avançava, saibam, não havia sono que o libertasse de si nem remédio para as feridas que colhera no tempo. A metros dali, estava a coordenadora da casa de repouso em que morria lentamente o homem da tristeza. Esta, ao saber da escuridão e dos porões que guardavam as tristes memórias do mundo de antes do senhor do quarto, decidiu convidar à história quem dela faria melhor uso – a moça da vingança. Assim, apareceu nessa tristeza contada a mulher que tinha mais passado no que vivia atualmente, e carregava em sorrisos de metade os traumas e as ausências. Ela começou a visitar o homem do silêncio na semana seguinte, fingindo ser aquela que usava afeto e sensibilidade contra a escuridão do sistema excludente do mundo, e ser por isso generosa e altruísta. Havia razões para odiar aquele que interditara décadas antes o caminho em que ela ia, mas encontrou ali um senhor de olhar distante, um velhinho indefeso. Mudanças. Com segundos planos, ela estendeu ao homem da solidão parada a estrada das mil possibilidades. No primeiro sorriso ele já acreditou. E foi tanta visita aos sentimentos que ele voltou a dormir consigo. Também nos dias de sol arriscou alegrar-se; e com mais medidas de tudo voltou a amar. A moça da intenção velada, com idade de filha, devolveu o oposto do que recebera em dobro. Daquele silêncio distante de gente reinventou um homem, deu-lhe vida. Então o amor passou a ser o tamanho do quarto, que ficou pequeno para existir dentro e só. Ela o levou aos passeios da cidade, aos sorvetes das tardes, ao colorido das manhãs, como se ali houvesse amor de uma filha para um pai; como se isso fosse motor da intenção. Por outro lado, ele, amando-a como se fosse, de fato, filha, abriu os caminhos da alma; tanto assim escancarada para não haver volta, mesmo sem saber se haveria dor em acreditar. Eis o resultado: de amor estava consolidado o mais controverso laço. A moça conseguiu. Aos de vingança, o melhor momento de ataque é o percebimento da fragilidade do adversário. E foi isso. O homem estava só de estima paternal e olhos no dia em que ela decidiu espalhar sobre a mesa as fotos de dois jornalistas silenciados para sempre nas mãos de um carrasco. Era um casal em papel amarelado: mãe e pai da moça. Discursos abafados, corpos enterrados em matagais, fato não divulgado nos tempos da ditadura militar; tempos em que problemas se resolviam com pancada, com cordas, alicates e porões. Essa tristeza, velha companheira daquele ali, rebocou-o de volta ao passado, ao silêncio do pequeno quarto na escuridão. Olhou para as mãos enrugadas. Não havia água que lavasse ali a sensação de sangue, nem música que apagasse os gritos ainda lá nos corredores sombrios da memória. Ela insistia com o amor nas fotografias, com dedos deslizantes sobre sorrisos de gente morta, a maldizer silenciosamente, seu destino de órfã, com perguntas sem intenções de respostas, só desabafo. Esse tanto de amor presenciado, recém-percebido, sem doer em lugar certo, torturava o homem da tristeza sem fim, que tanto investira nas tramas de um caminho oposto – violência, violência. Curiosamente, a última lição a conferir deste amor era contra ele mesmo; algo a roer-lhe a consciência no sempre dos dias, a mostrar-lhe tardiamente o outro lado da história. A moça da vingança chorou mais três instantes e saiu. Antes, beijou, por mais intenção de ferir, a testa daquele que assassinou seus pais: era somente um homem idoso, assustado, vencido, mais morto que vivo, a secar no silêncio que cresceu dali para muito mais. Depois da porta, ainda que sem solução para as lacunas, havia o caminho – um apenas. Ela foi... mas nunca conseguiu chegar.

Ricardo Fabião (junho, 2011)

A imagem acima é intitulada "Las manos del terror";
foi pintada por Oswaldo Guayasamín (1919-1999).

Ditadura Militar - Comissão Estadual da Verdade


"Ditadura Militar" foi o tema abordado na estreia do "Cena Cultural", no dia 07 de junho de 2014. O professor Paulo Giovani, presidente da Comissão Estadual da Verdade, foi o nosso convidado (veja a foto abaixo). Vinícius Rodrigues, que assina a coluna "Porque hoje é sábado", comentou sobre dois filmes que tratam do tema 'ditadura militar': "O ano em que nossos pais saíram de férias" e "Cabra marcado para morrer". Em nosso repertório musical, levamos ao ar canções que marcaram o período militar em nosso país; dentre elas, destacamos "É proibido proibir", de Caetano Veloso, "Apesar de você", de Chico Buarque, e "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré. Queremos expressar aqui o nosso agradecimento a Paulo Giovani pelas valiosas informações a respeito do tema em questão, sobretudo no que tange à atuação da Comissão da Verdade em nosso estado.

Paulo Giovani



Perfil do "Cena Cultural"

“Cena Cultural PB” é um programa de rádio voltado principalmente à cultura, à educação e ao entretenimento. É transmitido pela Tabajara FM (105.5), todos os sábados, a partir das 6h30, e tem duração de uma hora. Estão à frente do programa Danielle Grisi, Ricardo Fabião e Vinícius Rodrigues. Semanalmente o programa aborda um assunto referente às referidas áreas, buscando sempre que possível relacioná-lo à realidade local. Para dar uma maior dinamicidade ao "Cena Cultural", os apresentadores contam com a participação de um convidado, cuja atuação esteja relacionada ao tema do dia.

Danielle Grisi

Ricardo Fabião

Vinícius Rodrigues